Por:
Edson de Lorenzi e Angélica Apª Delfes Sestren
Em Santa Catarina, a CPT catarinense
organizou a primeira Romaria da Terra que aconteceu no dia 14 de setembro de1986,
aqui em Taquaruçu – Fraiburgo, nomeada como Cidade Santa do Contestado, tendo
como lema: “Da luta pela
terra brota a vida”. Este lugar foi escolhido por ter sido palco de
um dos maiores massacres na luta pela terra. De um lado os latifundiários e o
exército e do outro os caboclos e suas lideranças. Estes, durante mais de
quatro anos (1912 a 1916) lutaram por um novo céu e uma nova terra, na Guerra
do Contestado.
Quando surgiu o pensamento de organizar essa romaria, o povo da
comunidade ficou motivado, mas não tinha a noção do nº de pessoas. Uns falavam em 4.000, outros 6.000, mas tudo era novidade,
desafio e trabalho.
Alguns encontros para organizar as comissões de trabalho e as discussões
em torno do movimento foram grandes. Quinze dias antes da romaria, as equipes já
se faziam presentes. As vésperas, dezenas de pessoas se envolveram na
organização. Taquaruçu tornou-se um palco cinematográfico para a realização de
uma das mais importantes atividades dos movimentos sociais, religiosos e
políticos do momento.
No dia que antecedia o encontro, as pessoas prepararam cerca de 5.000
lanches. Umas comentavam: - Meu Deus, nunca vi tanto pão, tanto queijo, tanta mortadela...
Pessoas da comunidade passaram a noite ajudando a fazer pães nas padarias da
cidade.
02h00 da madrugada para amanhecer domingo: Começa a chegar os primeiros ônibus.
A comunidade e as pessoas que estavam no aguardo sentiram uma sensação
estranha, parecia que algo diferente iria acontecer.
Então, por volta das cinco horas, o que parecia sonho ou impossível
começa acontecer. Uma grande listra branca desenhada pelo teto dos ônibus surge
no horizonte. Parecia não ser verdade. O gesto de aceno das pessoas que nos cumprimentavam
e nos saudavam foi o início de um novo rumo para a nossa história.
08h00 da manhã: A grande faixa branca de ônibus nas estradas não tinha
fim. Os estacionamentos estavam lotados. A alternativa era arrancar as cercas e
criar novos espaços. Os ônibus foram colocados em lavouras e potreiros. Começam
as atividades da Romaria
09h00:Todos os lanches tinham sido consumidos e o comércio de bebidas se
esgotou. Pela 1ª vez nossa comunidade conheceu a bebida em lata. Três caminhões
chegam para abastecer.
10h00: Começa a faltar água, os poços de água superficial não dão conta
da demanda. Encanamento que abasteciam as casas foram arrancados para amenizar
o problema. Mas tudo isso foi superado no decorrer do encontro.
Durante a chegada, os romeiros trouxeram muitas frases como:
“Senhor teu povo passa fome”.
“Terra e vida lutaremos juntos”
“Povo sem terra, povo sem vida”
“Fraiburgo é destaque na agricultura, mas não tem telefone rural”
“Terra não se ganha conquista”
“Pedimos condenação para os crimes que matam os padres e agricultores que
lutam pela vida”
10h30: Começa a apresentação da via sacra do contestado.
1ª estação: Luta pela terra no passado;
2ª estação: Realidade e lutas dos Sem Terras
3ª estação: Realidade e luta dos pequenos agricultores;
4ª estação: Formas como os trabalhadores estão se organizando.
11h00: Enquanto os romeiros celebravam a vida, o corpo de bombeiros chegam
trazendo água, mas atola e para sair joga toda a água fora. Uma Tobata
distribui água em tambores no meio do povo.
12h00: O milagre da partilha. Todos se alimentam e ficam saciados.
Durante todo o encontro, foram realizadas diversas atividades como:
Apresentação de danças, declamação de poesias, encenações, falas, depoimentos,
entre outros.
15h00: Na celebração final, a multidão demonstra-se motivada no sentido
da luta pela terra, pela reforma agrária, pela saúde, educação e na parte final
demonstra solidariedade, devoção e partilha. Um pacote com várias espécies de
sementes crioulas foram distribuídas para as pessoas levarem para suas casas. Estiveram
presentes:
Cerca de 25.000 romeiros;
60 padres;
46 celebrantes e 6 bispos
Vieram em 321 ônibus, 70 caminhões e 477 veículos pequenos e mais os que
vieram a pé.
Na despedida, durante três horas as pessoas não paravam de acenar como
forma de agradecimento.
Na segunda de manhã, dois palmos de pó são apagados pela chuva que cai no
local. A água que caiu dos céus abençoou o encontro.
Daquele dia em diante, nós não somos mais os mesmos. Entendemos que para
garantir nossos direitos precisamos nos unir, se organizar e lutar. A comunidade
do Assentamento Contestado é fruto disso, como também vários outras ocupações
que ocorreram em nossa região, garantindo o espaço que era ocupado pelo
latifúndio
Hoje estamos aqui, tentando compreender nosso passado e analisando a
atual situação quanto ao papel do estado em nossa sociedade.
Estamos muito felizes com esse evento,
pelo fato da participação das comunidades irmãs que ajudaram a construir esse
momento. Sentimos o mesmo calor e o mesmo desafio daquela romaria de 1986.
Nesse evento e celebração, com a graça
e a BENÇÃO DE DEUS celebramos as alegrias, tristezas, conquistas, derrotas e
vitórias. Mas acima de tudo, celebramos
a vida.
Obrigado a todos!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário